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segunda-feira, 12 de abril de 2010

# Camila


Camila acordou num sobressalto. O seu coração batia descompassadamente enquanto o medo lhe escorria pelo corpo. O sonho fora claro. Vira o seu pai mergulhar num sono profundo, coberto pelos escombros duma mina que conhecia melhor que a sua própria casa. Já tinha sonhado com isto mais de cinquenta vezes. Não percebia a clareza com que a verdade se lhe revelava se aquando do acidente era apenas uma criança. Uma criança perdida e sem pai. Lembrava-se de ver o noticiário. Uma jornalista loira, com os seus quarenta anos, cabelos fartos escorrendo pelas costas, olhos verdes e os lábios carregados de um vermelho a insinuar o pecado, enumerara a lista das vítimas com a mesma frieza com que se lê o menú sentado à mesa de um restaurante. Afinal, tratavam-se de homens anónimos, cujo nome nada mais lembraria que uma dúzia de vultos pobres que escavavam todo o dia, como toupeiras. Até os seus olhos se tinham já habituado à escuridão. Ninguém falou das mulheres cujos maridos a terra engoliu. Ninguém contou que quatro delas se acabariam por afogar, nesse mesmo dia, levando com elas dois meninos cujo choro ainda se pode ouvir hoje, à beira rio.
Camila engoliu em seco procurando conter as lágrimas que ameaçavam cair. Já haviam passado doze anos.

1 comentários:

Anónimo disse...

Arrepiou-me!

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